E n v o l t u r a S

13 maio 2010

QUARTO 201

Aquele lugar era de todo amarelo. As cortinas, os lençóis, o leito. O amarelo não aquecia o frio ambiente. Havia ali um vapor a ocupar todo espaço. No centro da peça, com a cabeceira encostada na parede estava a cama. A cada lado da cebeceira, um pequeno bidê. No da direita, um copo d'água um abajour e a imagem de Nossa Senhora de Fátima. No outro, apenas uma maçã. Talvez um pouco de reza.
A doença há muito havia avançado. Estava quase indo-se. Minha cabeça estava quieta pensando em como é que algumas doenças conseguiam vencer a luta. Com doze anos a gente não entende muita coisa, quer dizer, hoje já se entende. Tem muita mãe por aí com esta idade. Mas naquele tempo, eu, pelo menos, não entendia. Não conseguia
. Não entendia por que os hospitais tem todos o mesmo cheiro. Por que se estuda, estuda e pesquisa e pouco se sabe ou se quer saber. Não entendia porquê. Por que minha mãe estava tão amarela. Toda amarela. Naquela mangueirinha, as gotas iam pingando devegarinho e meus olhos fixos iam contando. Minha tia tentava me explicar que a causa do amarelo de minha mãe, era devido aos remédios. Eu nem a ouvia. Nisso, a porta abriu-se e entrou um médico. Comprimentou todo mundo e perguntou à minha mãe como ela estava. Ela não respondeu. Nem precisava. O Dr. estava aos pés da cama e do lado direito estava meu pai. Eu fiquei junto de minha tia que segurava minha mão. Meus ouvidos buscavam entender o que o médico, usando termos técnicos, explicava sobre a maldita doença. Tentava detalhar seu estado. Minha boca silenciosa gemia ao som dos aparelhos. Quis gritar mas me fiz muda. Minha mãe nem deixou o médico terminar de falar e ficou implorando para que ele lhe tirasse o útero, os ovários, as pernas. Pedia que lhe cortassem ao meio. Eu tremendo. Ao meio não. Minha tia me tirou do quarto. Disse que meu pai tinha que tomar umas providências. Pra quê então cirurgia? Que deixassem como antes. Eu precisava arrumar minhas irmãs. Minha tia disse que se eu chorasse me sentiria melhor. Não chorei. Chorar adianta? Certa vez, quando eu devia ter uns cinco anos, pulei de cima de uma árvore e caí sobre uma garrafa quebrada. Meu pé dividiu-se ao meio. A dor era tanta que não conseguia chorar. E, se vissem que eu estava chorando, ainda apanhava. Acho que foi com esta idade que sequei. Aprendi a engolir o choro quando tive de mostrar à minha avó o que havia feito. Ela assustou-se e tratou do meu pé com muito sabão e toucinho de porco que era pra não infeccionar. Levou muito tempo para ficar bom, mas com remédios caseiros, às vezes dá certo. Como é que nos hospitais não se consegue isto? Se o médico fosse bom profissional tinha cortado minha mãe ao meio. Acho que ele até quis, mas não deu tempo.

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